domingo, 27 de novembro de 2011

Segurança: como, de quem, para quem?



Estou há dias para escrever sobre isso.

Segurança! Nos últimos dias temos visto muito essa palavra ecoar pelos meios universitários, e o surgimento de um debate acerca deste tema. Que a luta travada hoje na USP é uma luta a respeito da segurança no campus, da segurança dos estudantes.

Antes de entrar na questão “segurança”, o que tem que estar colocado hoje na USP é que existem 73 presos políticos. O que está colocado hoje na USP é uma repressão brutal ao movimento estudantil e de trabalhadores. O que está colocado hoje na USP é, desde a ditadura militar, um dos maiores ataques à liberdade de manifestação. Então, antes de pensarmos “segurança” temos que pensar em como vamos defender esses 73 presos políticos e exigir a retirada dos inquéritos, enxergando a importância dessa luta por entender que 73 punições à lutadores representaria uma derrota e um retrocesso inimaginável à TODOS aqueles que se colocam em luta. E isso não é exagero! Se deixamos passar que uma desocupação aconteça da maneira como aconteceu na reitoria da USP, estaremos entregando nas mãos da polícia todas as ocupações de terra de movimentos sem-terra e as ocupações urbanas de movimentos sem-teto. Estaremos permitindo que nossas greves e manifestações sejam também brutalmente reprimidas. Estaremos nos atando, abrindo mão de nosso próprio direito de lutar e nos manifestar.

Agora, com relação à segurança. Em primeiríssimo lugar, acho que se perguntar “como e que tipo de segurança queremos para os estudantes da USP” é um equívoco, e traduz um pensamento totalmente elitista! Pensar que não queremos a PM dentro da USP porque isso fere a autonomia universitária, e porque a universidade é um local de produção de conhecimento e isso não é possível com um fuzil apontado para a testa ESTÁ CORRETO! Mas não é o suficiente. Eu quero a PM fora da USP também por esses motivos citados, mas porque a sua função social é a de “manter a ordem”, e a ordem é a da burguesia! “Manter a ordem” significa “defender a propriedade privada”, “evitar e reprimir manifestações que questionem a ordem”, “limpar os pretos e pobres das belas ruas dos principais pontos turísticos”. Eu quero a PM fora da USP porque ela é, por essência, assassina de jovens e trabalhadores negros. Eu quero a PM fora da USP, porque quero a PM fora das favelas, morros e periferias, porque é impossível VIVER com um fuzil apontado para a testa! Porque a PM brasileira é a mais assassina do mundo, é a que mais tortura em períodos de dita “democracia”. Porque a PM que prendeu 73 estudantes e trabalhadores na USP é a mesma que mata, tortura e estupra nas favelas e periferias. É a mesma polícia que, com um contingente de 4 mil policiais, acaba de militarizar a Rocinha e lucra mais com o tráfico do que os próprios “clássicos” traficantes. E se ela prende 73 estudantes e trabalhadores, em sua maioria brancos, na maior universidade da América Latina e uma das mais elitistas, em meio a um processo de alcance midiático nacional, acho que conseguimos imaginar o que essa PM faz com jovens e trabalhadores negros nas periferias, bem longe do alcance das câmeras! 

Mas mais uma vez, sobre a segurança na USP, já que foi isso que me propus a escrever. Mas convenhamos que não faz sentido nenhum discutir a segurança na USP por si só, sem passar por todos esses pontos que tentei passar.
É óbvio que eu quero a USP segura. Para toda a população que frequenta esse espaço PÚBLICO! E para isso, esse espaço tem que ser efetivamente público, para que toda a população frequente! E isso é o que vai trazer segurança para dentro da USP! Iluminação SIM, mas circulação de gente, universidade a aberta à população, com atividades abertas! Mais cursos noturnos, bandejão nos fins de semana, moradia dentro do campus (esses últimos fazem parte da realidade da USP, mas não é o caso de muitas outras universidades, como as UNESP’s – muitas nem bandejão e moradia tem – e da UNICAMP). Nos dias de festa, auto-organização dos estudantes para evitar assédios, violências, estupros, organizando transporte e caravanas para ir embora (como aconteceu em algumas festas na Unicamp, e ajuda bastante!).
No limite, a segurança vai vir da população frequentando a universidade. Da população estudando na universidade. E nesse sentido, o fim do vestibular é a melhor resposta para o problema de “segurança” da USP – e não só da USP. Quando toda população tiver a oportunidade de estar dentro das universidades públicas estudando, aí sim estaremos falando de locais seguros, frequentados por pessoas! E não existe resposta intermediária, que fique claro! Não me venha com “segurança treinada, qualificada, não terceirizada”, o caralho a quatro! ISSO JÁ EXISTE! Enquanto essa super segurança estiver submetida à estrutura de poder antidemocrática existente hoje, essa segurança estará lá para cumprir o papel de polícia! E eu digo isso porque ouvi de um PM essa semana, que entrou na UNICAMP chamado pelo chefe da segurança do campus – que, ora vejam só, é concursado  -  e quando chegou e se deparou com estudantes questionando a atitude do segurança e a PM no campus, o policial falou “a segurança do campus tem papel de polícia dentro do campus”. Então não me venha com “soluções” que já são vigentes e que, no limite, tem como proposta transformar a universidade pública em um condomínio fechado e seguro para os privilegiados que passaram no vestibular.

Agora, mais um ponto. Se vamos discutir a segurança na USP, quero discutir qual a segurança para que os trabalhadores terceirizados não se machuquem mais todos os dias, e nem morram, por não ter a garantia de equipamentos certos para fazer o serviço. Assim como José Ferreira da Silva, trabalhador terceirizado, não teve e morreu em serviço dentro da USP este ano. Quero garantir a segurança dos terceirizados do bandejão da Unicamp, que todos os dias se cortam com as bandejas, e se queimam com a água fervente que vaza de um equipamento precário. Quero que todos esses terceirizados tenham a segurança de que seu salário vai chegar no próximo mês, que seu emprego ainda será seu no fim do ano, e que seus filhos estejam alimentados e frequentando a escola no próximo ano. E essa segurança só será garantida com a efetivação, sem concurso público, desses trabalhadores, com o fim da terceirização e precarização da vida, do trabalho!

Para finalizar, deixo um vídeo sobre um festival que ocorreu em Zanon, na Argentina. Zanon é um fábrica que está completando uma década sob controle operário. É uma fábrica sem patrão que construiu um festival cultural sem polícia! Para aprendermos como é possível, como a segurança do povo pode e deve ser garantida pelo povo!



sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Tusca, Interunesp, Economíadas, Engenharíadas, Intermed, Inter/íadas qualquer coisa... Até quando?


E lá vem mais um Tusca (Torneio Universitário de São Carlos). Começou ontem. Mal começou e no Corso, sua festa de abertura, já morreu um. Se envolveu em uma briga, foi atropelado. Ano passado morreu um também. Ficou bêbado, caiu no córrego.

Qual será o saldo até o fim, daqui dois dias? Quantas mortes? Quantos estupros? Quantos "Rodeios das Gordas"? Mais um torneio universitário, onde a juventude, ao invés de se divertir, confraternizar, conhecer gente, beber, transar com segurança, expressar sua sexualidade... É oprimida, violentada, reprimida sexualmente ao ter seus desejos e prazeres tolhidos, por não ter condições objetivas e subjetivas de se expressar.

Onde jovens morrem atropelados [Tusca 2011].
Onde jovens morrem porque caem no córrego [Tusca 2010].
Onde jovens quase morrem por "boa noite cinderela" e coma alcoolico [Interunesp 2008 - rendeu 4 dias de UTI].
Onde jovens quase morrem por tomar uma tijolada no rosto [Intermed 2007 - rendeu 3h de cirurgia plástica para reconstrução dos ossos].
Onde jovens são oprimidas, humilhadas, violentadas [Interunesp 2010 - e outros].
Onde jovens tantas outras situações! E eu não estou falando de achismos, estou falando de fatos!

Nesses espaços a visão da "mulher-objeto" é potencializada. Os hinos, as músicas, as "brincadeiras", tudo potencializando o machismo, o racismo, a homofobia mais incrustada na sociedade.

A juventude tem que construir espaços de confraternização conscientes, onde os jovens entrem ansiosos e saiam vivos, felizes, minimamente satisfeitos! Onde haja música, álcool, sexo e nenhum tipo de opressão, nem mortes!! Onde haja cultura, onde haja arte, onde haja vida! Onde haja o forte combate ao machismo, ao racismo, à homofobia, não só nesses espaços, mas em toda sociedade. Onde se possa expressar livremente sua sexualidade, sem ser oprimido, sem ser censurado, sem conservadorismos e moralismo burguês.

Onde se possa dançar uma música, e também discutir a Primavera Árabe.

Onde se possa assistir a uma esquete teatral, e também reivindicar a abertura dos arquivos da ditadura.

Onde se possa ver apresentações circenses, e também analisar as mobilizações chilenas.

Onde se possa ficar xapado, e também debater o Lulismo.

Onde se possa fazer sexo, e também conversar sobre sexualidade.


Pois então reivindico veementemente espaços como o I "Festival Interunesp contra as opressões", realizado no fim do ano passado, na Unesp de Marília. Uma resposta política ao grotesco "Rodeio das Gordas". Um espaço para a expressão da arte, do lazer, da confraternização. Um espaço para discussão política. Um espaço livre de opressões. Um espaço onde a juventude entrou viva e consciente, e saiu viva, consciente e feliz!

Avante juventude! Pelo seu direito ao lazer, pelo seu direito de ser jovem!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Crônica: A mais violenta das violências

O que poderia ter feito? Chegou por trás. Pega. Toca. Enoja. Violenta sem que haja tempo para pensar. O que fazer na hora? Angústia e asco. Lá se foi seu orgulho. Seu corpo não lhe pertence. E agora também não o quer mais. Não pode. Não dá para se livrar dessa carcaça nojenta e suja. E agora, o que fazer?


- Liga pra polícia!


Não! A polícia não pode lhe ajudar. A polícia nunca pode ajudar. A polícia só ajuda a quem serve, e com certeza não é à ela. Ela não é governo. Ela não é estado. Ela não é patrão. Ela não é reitor. É mulher. Não é ninguém. Enquanto ela via todo seu "eu" escorrer pela sarjeta, a polícia estava fazendo com outra o que faziam com ela. Estava dando uma geral no jovem negro que voltava pra casa. Estava reprimindo o trabalhador de alguma fábrica que lutava pelos seus direitos, que lhe foram arrancados, direito de ter uma vida digna. Estava impedindo uma festa em república. Desocupando a universidade. Mantendo a ordem. Ordem burguesa. Cumprindo exatamente o papel que lhe foi dado!


- Você é uma idiota mesmo. Por que estava lá? Por que aquela hora? Por que com aquela roupa?


E era exatamente o que todos iriam dizer. Mas ela sabia no fundo que em nada a culpa era dela. E o seu direito de andar na rua? E a sua liberdade? E a sua sexualidade? Não. Ela não foi vítima de apenas mais um tarado desequilibrado. Sua violência foi brutal, a mais asquerosa que se pode sofrer, mas ela sabe que esse é apenas um tipo de violência contra a mulher. E todas outras que as mulheres sofrem caladas diariamente? Seu maior agressor era o Estado, o sistema capitalista. Pois quanto mais pobre a mulher é, já não basta a miséria da vida, maior a violência. Porque ela estava la, a pé, naquele horário. Podia ter ido mais cedo. Podia ter ligado para uns amigos. Podia chamar um táxi. Podia pagar por um táxi. Preferia não, mas podia, tinha essa opção. Mas e aquelas mulheres que não tem essas opções? Elas têm que passar pela rua abandonada, esperar o ônibus no ponto escuro, nos horários mais desertos do dia. Porque tem que ir trabalhar, para poder pagar as contas, criar os filhos, alimentar o marido. Seu trabalho por si só já é uma violência. Dez horas por dia, esfregar chão, limpar privada, passar por humilhações, abaixar a cabeça. Nenhum direito. Nenhuma estabilidade. - Não fale com ninguém! Almoce escondida! Faça seu serviço sem ser percebida! - É o que ela teve que aceitar para conseguir o emprego. Além do risco a sofrer na rua abandonada, ponto escuro, horário deserto. Pensando bem, passar por tudo isso e ainda ter que chegar em casa, lavar roupa dos filhos, engomar a do marido, por comida na mesa, preparar a marmita, esfregar mais chão, limpar mais privada - pelo menos agora é só uma, para ela, o marido, e os cinco filhos. Ela não sabia como evitar a gravidez. Ela engravidou e não podia tirar. Demorou até que alguém lhe ensinasse sobre a tal pílula de todo dia. - isso tudo também é uma violência contra ela. Inclusive a falta de informação sobre os contraceptivos. Inclusive o sexo que faz sem vontade com o marido. O sistema se apropriou dessa exploração para manter seus lucros, e violenta essa mulher a cada dia da sua vida.


- Mas e você, vai fazer o que agora?


Ela enxugou as lágrimas, parou de se olhar no espelho, seu único companheiro na última hora. Lavou o rosto. Respirou fundo. Decidiu tomar alguma atitude imediata. Foi até o CAISM* (e agradeceu por morar em Campinas e ter acesso ao CAISM) e se preparou para a bateria de exames. Para a maratona de remédios. Anticoncepção de emergência, anti hepatite B, anti HIV-AIDS, psicólogo, assistente social. 


No caminho pensou que essa violência não podia ficar assim. A sociedade não podia ficar assim. Cansou de se lamentar! O tempo passa, o mundo oprime e a gente se adapta enquanto se lamenta, e definitivamente ela não queria mais isso! Decidiu ir à luta. Recuperar seu orgulho. Exigir e arrancar seu direito ao seu corpo. O seu, e o daquela trabalhadora. Pensou que as duas juntas, estudante e trabalhadora, e todas juntas, estudantes e trabalhadoras, poderiam romper com a ordem, derrubar o poder, destruir o sistema. Juntas, poderiam se organizar e mostrar que cansaram de ser objeto, e que querem daqui pra frente ser sujeitos de suas próprias vidas, sujeitos da história. São mulheres. Querem ser mulheres. Querem lutar como as mulheres que são. Chega de submissão, é chegada a hora de subverter!


E fez disso seu objetivo de vida.


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*Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que possui um programa de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual, e funciona dentro da Unicamp, 24h. (www.caism.unicamp.br)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

E como expressar a sexualidade livremente, se nem sabemos nos relacionar?

E de repente eu só quero gritar, e surtar, e chorar enlouquecidamente, e brigar com quem não fez nada. Eu quero ter todos os desvios possíveis, só essa noite. Só essa noite?
Se eu me permitir só essa noite, eu permitirei só mais uma. Só mais uma noite. E na semana que vem, só mais uma. Mês que vem só mais duas, talvez. Só mais três noites de surtos e desvios não há de fazer mal, certo? Certo? Não.

- Foco. Mantenha o foco. Concentre-se. Mas eu não consigo! Então chora, é isso que você quer mesmo. Senta e chora que é o que te resta. Ou levanta e mantém o foco. Dá um jeito, se vira! Mas será possível que você não vai conseguir nem escrever isso até o fim, sem parar zilhões de vezes para fazer... nada!? -

A questão é muito simples: ter clareza e consciência não é o suficiente! Falta muita força e luta. E eu sei que to reclamando a toa, “de barriga cheia”.

Pois vamos ao que interessa: relacionamentos e sexualidade dentro de um marco revolucionário. E aí, ta a fim de discutir? Porque eu não sei nada, mas to bem disposta a aprender.

Porque afinal, o que é um relacionamento revolucionário? O que significa expressar livremente sua sexualidade? O que é o tal do “amor livre”? Aliás, alguém aí sabe me dizer o que realmente significa amor? Porque eu vejo uma juventude de esquerda, tão disposta e apaixonada por uma luta, levantar consignas que não passam de consignas. Mas vejo também uma juventude revolucionária disposta e apaixonada enxergando todo seu conservadorismo, e muito disposta a estudar, entender, ir além da palavra de ordem, que quer romper com isso tudo. E eu quero ser parte dessa juventude também! Mas eu também sou obrigada a dizer que rompimentos não são assim tão fáceis. E retorno ao que disse antes, para romper não basta apenas clareza política e consciência dos erros. Tem que querer. Tem que estar cheio de disposição.

Porque se adaptar é algo muito fácil, muito simples. É o que toda sociedade faz. Adaptam-se ao que é correto. Relacionamento fechado, monogâmico, pra casar, sexo com uma só pessoa do sexo oposto – ou do mesmo sexo, o moralismo e adaptação também ocorre nas relações homossexuais – ter filhos, criar os filhos para que eles cresçam e tenham um relacionamento fechado, monogâmico, pra casar, fazer sexo com uma só pessoa do sexo oposto, ter filhos, criar os filhos para... enfim.

Acredito que, para além dos revolucionários dispostos a colocar esse tabu em pauta e romper com esse rotineirismo opressor, há também pessoas que se incomodam com essa regra geral. O que elas não conseguem enxergar é o porquê que essa situação não muda, e não mudará dentro do contexto que vivemos. Aí você vai dizer “porque a influência da igreja é forte demais, e não permite que se rompa com o marasmo e saia pecando por aí”. E eu te respondo: sim! Mas aí eu te digo que não é só isso. Vai além da opressão religiosa, e entra no plano político econômico. Vivemos em um sistema que se utiliza dessa opressão. O capitalismo se apropriou da família. A família é a instituição mais opressora que existe e o capitalismo cumpre muito bem o seu papel de sistema explorador ao se apropriar disso.

Mantém e legitima o machismo, e as mulheres continuam a ser “do lar”, “donas de casa” até mesmo quando são trabalhadoras, e aí cumprem duplas e triplas jornadas de trabalho ao trabalhar o dia todo fora de casa e chegar em casa e trabalhar mais ainda. E por que o capitalismo é quem legitima isso? Porque é muito mais lucrativo manter as mulheres trabalhando de graça em casa, do que manter restaurantes, lavanderias e creches comunitárias.

Mantém e legitima a propriedade privada, e as pessoas continuam presas a relacionamentos fechados e monogâmicos, para que se tenham a garantia de quem é o pai dos filhos, e assim sua herança seja passada adiante.

E aí chegamos ao ponto de que não basta só lutarmos sós para quebrar o que está dado em nós mesmos, porque não é o suficiente. Temos que quebrar esse sistema todo, para que todos possam ter a chance de realmente expressar livremente sua sexualidade, e se relacionar livremente com as pessoas. Construir relações profundas! E não, não estou dizendo que há uma ligação direta do tipo “fim do capitalismo = fim do machismo e opressão sexual”, porque não é assim que funciona. Mas, se lutarmos juntamente pelo fim do capitalismo, e pela livre expressão da nossa sexualidade, poderemos fazer dessas lutas uma só, e o fim do sistema explorador que se apropria das opressões nos abrirá um espaço para nos expressarmos.

Mas aí, depois de justificar o porquê quero discutir relacionamentos revolucionários, entro neles mais diretamente. Há um senso comum dentro da esquerda que se dispôs a discutir esse assunto de que há uma ligação mecânica do tipo “relacionamento revolucionário = relacionamento aberto”. Não. Não! Por favor, NÃO! Não há essa mecanicidade, jamais! Se assumirmos isso enquanto uma verdade, estaremos afirmando que qualquer relacionamento burguês e pequeno-burguês do tipo “ficando” ou “amizade-colorida” (em um linguajar facebookiano) é revolucionário. Que qualquer pessoa que transa com mais de uma pessoa é um revolucionário sexual. E isso está longe de ser real! 

Na real, a minha concepção (ainda sem estudos e aprofundamentos) é de que um relacionamento revolucionário é um em que as pessoas envolvidas têm a plena consciência de que elas são por si só, sem que uma tenha necessidade e dependência da outra. E o que rola é um companheirismo até o fim, e a liberdade de estar junto sem a necessidade e obrigação de estar junto. Ser companheiro é fazer parte ativa de todos os âmbitos da vida, simplesmente porque faz sentido, e faz bem. É enxergá-las como pessoas com suas particularidades, e unicidades, e fazer parte disso, ao invés de tomá-la como propriedade privada e tentar moldá-la a sua maneira. É construir e avançar juntos. E a partir do momento que se tem clareza do que é ser companheiro até o fim, que significa estar a vontade com o outro, e que isso é o que define o que é um relacionamento, se tem a clareza da possibilidade de se construir relacionamentos com mais de uma pessoa. E de se aprofundar as relações com essas pessoas. E quando se consegue construir relacionamentos profundos baseados no companheirismo, nota-se que o sexo faz parte disso e é um complemento das relações. E aí sim, com a clareza de que o sexo é a completude dos relacionamentos profundos e de camaradagem, é que se consegue ter a livre expressão da sua sexualidade. E é aí que o relacionamento aberto é revolucionário, por toda clareza e profundidade que levou a isso, e não ele por si só.
Porém hoje, no marco em que vivemos, enquanto uma juventude filha do neo-liberalismo, uma juventude fruto da restauração burguesa, conseguir estabelecer esse tipo de relação com uma pessoa só já é um avanço, porque a realidade é que não sabemos nos relacionar! Não sabemos amar!
Logo, por isso que um relacionamento aberto não é automaticamente revolucionário, e por isso que um relacionamento fechado pode ser, a princípio, revolucionário.

Mais uma vez, são apenas reflexões iniciais nada profundas de quem está começando a pensar o assunto, e muito disposta a estudar e discutir incansavelmente!

Porque estamos avançando nisso ainda. E ainda há muito que romper. Mas romperemos!

terça-feira, 24 de maio de 2011

2011. Ano atípico.

2011. Ano atípico. Não só por ser um número ímpar, embora eu tenha uma certa aversão a números ímpares. Tendo a me incomodar com assimetrias. Números ímpares são assimétricos por natureza. E 11 não é um número bonito. São ‘dois uns’. Possui uma péssima sonoridade. ON-ZE. Soa fanho. Não é agradável de ouvir. Ah, por falar em sonoridade agradável, já ouviram a música ‘Oração’, d’A Banda mais bonita da cidade? Não, não sei se a banda é a mais bonita da cidade. Alias, nem sei de que cidade é. É só o nome da banda. Estranho né? Também achei. Tem uma rima pobre, e é incansavelmente repetitiva. Mas é um projeto interessante. Tem um clipe bonitinho, variedade de instrumentos e um delicioso arranjo de vozes. Ei, calma lá! É só minha opinião. Não entendo de música. Nem de poesia. Só achei agradável.

Mas o que eu dizia mesmo?

Ah é! A imprevisibilidade do ano.
2011. Ano atípico. Não porque começou com 270 demissões de trabalhadores da USP, completamente ilegais. Nem porque foram abertos processos criminais contra nove trabalhadores da Unicamp, por causa de uma greve aí que eles fizeram. Oi? Não, tá certo, são criminais mesmo. Eles podem ser presos. Eu juro, verdade! Ah, também, quem manda fazer greve né? Eles ganham super bem, trabalham muito pouco, tem todos os direitos respeitados. Ah não? Não é isso? Sério, são precarizados??? Teve quebra da isonomia salarial, eles ganharam menos aumento do que os professores?? O queeeee?? É mesmo, greve é direito dos trabalhadores, garantido constitucionalmente???? Poxa vida!

2011. Ano atípico. Mas também não foi porque houveram várias grandes manifestações em várias cidades do país inteiro contra o aumento da tarifa de ônibus. Nem porque algumas delas foram brutalmente reprimidas pelos cães de guarda do governo pela polícia militar. Ah, mas reclamar por 3 reais!! Todo mundo tem 3 reais!! Ou cerca de 150 reais por mês, se você trabalha cinco dias por semana (e por favor, fique em casa no fim de semana! Lazer é luxo de poucos!). Aposto que os trabalhadores precarizados, terceirizados, que ganham menos do que um salário mínimo, pagam aluguel, sustentam família, podem gastar isso com transporte. O seu, e o do seu filho. A criança tem que ir pra escola. Pra ser alguém na vida. Com essa educação? Ah, deixa pra lá vai!
Mas por falar em terceirizados, ouvi dizer de uma tal de uma greve na USP, com apoio daquele tal de SINTUSP. Pra que, né?? O que é trabalhar o mês inteiro sem receber NADA por isso? Bobagem!  É, nada mesmo. NA-DA. O que é ver trabalhador morrer em serviço e nada ser feito a respeito? - além da rapidez em sumir com o corpo! – Tão típico.

2011. Ano atípico. Mas não porque o Movimento Estudantil, diante de todos esses típicos acontecimentos em apenas 5 meses de ano, está levemente apático. Levemente. Apático diante dos ataques a estudantes na Usp, Unesp, Unicamp, Fundação Santo André e, com certeza, em várias outras universidades. Apático diante dos ataques aos trabalhadores. Afinal, sou estudante, o que aquela mulher que limpa o chão tem a ver comigo? Nada. Até o seu lixo ser espalhado pelos corredores. Que ela limpa. “A luta de classes, expulsa das salas de aula, voltou aos corredores da USP pelo banheiro!” disse um professor. Lincoln Secco. Achei genial.  Há também os 'reaça'. Ouvi dizer que ser 'reaça' ta na moda. Tem o estudantes que gritam pela presença da polícia. Querem proteção. Querem segurança. Não querem saber dos negros mortos nas favelas. Pela polícia. Não querem saber das mulheres estupradas nos morros. Pela polícia. Não querem saber do homossexual agredido na Paulista. Pelos fascistas. Pelos Bolsonaros. Pela polícia. Não na Paulista! Seria escancarado demais. Nos becos.

2011. Ano atípico. No mundo? Não, não. Nada mais típico do que os levantes no Magreb. Queda de ditador. Os ventos revolucionários que sopraram no norte da África e no Oriente Médio chegaram ao Mediterrâneo. A Espanha grita! A crise a corrói. Sua juventude quer emprego! Juventude revolucionária. Como toda deve ser. Ao que parece, nem todo jovem é vagabundo que quer curtir a vida adoidado. Quer seus direitos. Quer trabalhar.

2011. Um ano atípico! Por que afinal? Porque eu fiz um blog! E isso sim é algo atípico. O resto não. Normal. Dia-a-dia. Bobagem. Quase nada. Ou não!

Alguém uma vez disse algo parecido com “A vida é bela. Que as gerações futuras a limpem que todo o mal, de toda opressão, de toda violência e possam gozá-la plenamente.”. Um tal de Trotsky. Sujeito esperto. Sejamos nós essa geração futura!

Sejam muito mais do que bem vindos. Sejam o reverso da submissão!