terça-feira, 1 de março de 2016

Por que você milita?

Tenho certeza que qualquer pessoa que milita por qualquer causa já ouviu essa pergunta. Por que você milita? Algumas pessoas perguntam sem querer saber a resposta, de maneira retórica; algumas perguntam já armadas para discordar de tudo e tentar te fazer parecer ingênua por acreditar no que acredita; algumas são realmente sinceras e querem curiosamente ouvir e entender o que te levou à essa decisão, por que se dedicar à isso? Essas são as mais difíceis de responder.

Eu poderia falar sobre como o capitalismo destrói a vida das pessoas, desenvolver um tanto de teoria marxista-leninista-trotskista, sobre a formação da sociedade capitalista, desigualdade social, miséria, tragédias, guerras, 99% explorado mas aquele 1% vagabundo explorador, concluindo que a única saída para o mundo não acabar é acabando com o capitalismo.

Eu poderia fazer uma análise sobre a conjuntura nacional e internacional, a crise econômica, a situação do dólar, crise migratória, desemprego em massa, guerras (de novo), conflitos entre nações, direita ganhando força em muitos lugares, e chegar à conclusão que só é possível barrar o avanço de toda essa crise destruindo esse sistema que cria a própria crise.

Eu poderia falar sobre as diversas opressões que existem, as que vivo diariamente, as que já são tão naturalizadas que nem percebo que vivo, desenvolver como o capitalismo se apropria de cada opressão como uma arma para manter tudo dentro dos conformes, seguir explorando mais, matando mais também, falar dos números de mulheres, negros e LGBTs assassinados, e concluir que nossas opressões do dia a dia só terão fim em um outro sistema, que apenas poderá ser construído sobre as ruínas do atual.

Eu poderia. Mas quando a pergunta é realmente sincera, penso que nada disso responderia como eu gostaria, nada disso faria a pessoa sentir o que eu sinto e assim entender o por quê disso.

Porque tem muita angústia, confusão e muita muita paixão dentro de mim. Foi assim que respondi nas últimas vezes. Porque não sei lidar com tudo isso que sinto dentro de mim. É uma angústia que não é só minha, e uma paixão que é pelo mundo, pelas pessoas, pelo potencial humano. Porque dói. E a única maneira de não doer, é lutando para acabar com toda a dor, com a dor de todos. Porque o mundo tem milhões de anos, a civilização tem séculos de vida, e eu to aqui só de passagem. Mas o mundo fica. A dor fica. A paixão fica. Como posso aceitar viver meus 60, 70, 80, sei lá quantos anos e depois virar pó sabendo que não fiz absolutamente nada para transformar a miséria do mundo e não tentei construir uma nova sociedade sem miséria pra esse mundo que aqui continua? Eu falo de miséria mesmo. Em todos os sentidos possíveis, não só a econômica. A da vida mesmo. Porque tem paixão transbordando por meus poros, e o que vai ser de mim se eu não tentar preencher cada corpo cansado, cada coração frustrado, com essa paixão que não cabe em mim? Porque sozinha é muito difícil. Sozinha é muito difícil. Porque preciso de todos. E nessa busca, achei minha estratégia, porque a paixão consciente e desorganizada pode doer mais do que a inconsciente.

Eu não sei se isso responde aos sinceros, não sei até onde é compreensível, até onde é confuso ou pode soar meio loucura. Mas é como eu me sinto. E cada vez me vejo rodeada de mais e mais pessoas tão incríveis, que de alguma maneira também se sentem assim e querem dividir suas dores, angústias e paixões para poder somar forças e certezas.

E se isso fez algum sentido... Bem, fica o convite. Posso explicar mais, e falar também das teorias marxistas-leninistas-trotskistas, da conjuntura nacional e internacional, das opressões. Será um prazer. Fique à vontade.

***

(Pra ilustrar, segue aqui um poema do Drummond, que já falou bem antes e mais bonito que eu!)

Mundo Grande
Carlos Drummond de Andrade

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos - voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.

- Ó vida futura! Nós te criaremos.