terça-feira, 1 de março de 2016

Por que você milita?

Tenho certeza que qualquer pessoa que milita por qualquer causa já ouviu essa pergunta. Por que você milita? Algumas pessoas perguntam sem querer saber a resposta, de maneira retórica; algumas perguntam já armadas para discordar de tudo e tentar te fazer parecer ingênua por acreditar no que acredita; algumas são realmente sinceras e querem curiosamente ouvir e entender o que te levou à essa decisão, por que se dedicar à isso? Essas são as mais difíceis de responder.

Eu poderia falar sobre como o capitalismo destrói a vida das pessoas, desenvolver um tanto de teoria marxista-leninista-trotskista, sobre a formação da sociedade capitalista, desigualdade social, miséria, tragédias, guerras, 99% explorado mas aquele 1% vagabundo explorador, concluindo que a única saída para o mundo não acabar é acabando com o capitalismo.

Eu poderia fazer uma análise sobre a conjuntura nacional e internacional, a crise econômica, a situação do dólar, crise migratória, desemprego em massa, guerras (de novo), conflitos entre nações, direita ganhando força em muitos lugares, e chegar à conclusão que só é possível barrar o avanço de toda essa crise destruindo esse sistema que cria a própria crise.

Eu poderia falar sobre as diversas opressões que existem, as que vivo diariamente, as que já são tão naturalizadas que nem percebo que vivo, desenvolver como o capitalismo se apropria de cada opressão como uma arma para manter tudo dentro dos conformes, seguir explorando mais, matando mais também, falar dos números de mulheres, negros e LGBTs assassinados, e concluir que nossas opressões do dia a dia só terão fim em um outro sistema, que apenas poderá ser construído sobre as ruínas do atual.

Eu poderia. Mas quando a pergunta é realmente sincera, penso que nada disso responderia como eu gostaria, nada disso faria a pessoa sentir o que eu sinto e assim entender o por quê disso.

Porque tem muita angústia, confusão e muita muita paixão dentro de mim. Foi assim que respondi nas últimas vezes. Porque não sei lidar com tudo isso que sinto dentro de mim. É uma angústia que não é só minha, e uma paixão que é pelo mundo, pelas pessoas, pelo potencial humano. Porque dói. E a única maneira de não doer, é lutando para acabar com toda a dor, com a dor de todos. Porque o mundo tem milhões de anos, a civilização tem séculos de vida, e eu to aqui só de passagem. Mas o mundo fica. A dor fica. A paixão fica. Como posso aceitar viver meus 60, 70, 80, sei lá quantos anos e depois virar pó sabendo que não fiz absolutamente nada para transformar a miséria do mundo e não tentei construir uma nova sociedade sem miséria pra esse mundo que aqui continua? Eu falo de miséria mesmo. Em todos os sentidos possíveis, não só a econômica. A da vida mesmo. Porque tem paixão transbordando por meus poros, e o que vai ser de mim se eu não tentar preencher cada corpo cansado, cada coração frustrado, com essa paixão que não cabe em mim? Porque sozinha é muito difícil. Sozinha é muito difícil. Porque preciso de todos. E nessa busca, achei minha estratégia, porque a paixão consciente e desorganizada pode doer mais do que a inconsciente.

Eu não sei se isso responde aos sinceros, não sei até onde é compreensível, até onde é confuso ou pode soar meio loucura. Mas é como eu me sinto. E cada vez me vejo rodeada de mais e mais pessoas tão incríveis, que de alguma maneira também se sentem assim e querem dividir suas dores, angústias e paixões para poder somar forças e certezas.

E se isso fez algum sentido... Bem, fica o convite. Posso explicar mais, e falar também das teorias marxistas-leninistas-trotskistas, da conjuntura nacional e internacional, das opressões. Será um prazer. Fique à vontade.

***

(Pra ilustrar, segue aqui um poema do Drummond, que já falou bem antes e mais bonito que eu!)

Mundo Grande
Carlos Drummond de Andrade

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos - voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.

- Ó vida futura! Nós te criaremos.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Um dia, três lágrimas

Depois de uma noite bem mal dormida, que já  vem seguida de noites mal dormidas, no calor infernal dessa minha querida Morada do Sol e na ansiedade que sempre me acompanha, não é de se espantar que o dia começasse com um bruto mau humor.

Logo pela manhã, cai a primeira lágrima. Tristeza.

Um misto de angústia e tristeza. Sabe, o sentimento de que estamos sendo ignorados, e tudo aquilo que já doeu tanto, machucando de novo. Será possível que vai ser sempre assim? Pequenas coisas, tão secundárias, mas que mexem tanto com a gente quando já estamos fragilizados. Mas fragilizada por que? Não sei. Mas a ansiedade... Ah, a ansiedade. Essa, nunca abandona. Uns tempos atrás, um certo bonito me repetia quase que diariamente “conhece um cantor chamado Di Melo? Ele tem uma música que diz ‘calma, calma, calma, calma, calma’”. Pois é. A vida, em seus métodos, diz calma.

Ok. Passou.

A tarde, cai a segunda lágrima. Raiva.

Uma sequência de tudo dando errado, sabe quando as coisas fogem do prazo, as datas não batem, as pessoas não colaboram. Não é possível que meu dia vai ser assim! Pequenas coisas, tão secundárias, mas que mexem tanto com a gente quando já estamos fragilizados. Mas fragilizada por que? Não sei. Mas o mau humor... Ah, o mau humor. Esse, nunca abandona. Uns tempos atrás curava o mau humor com Maria Bethânia. Por sorte, tinha um CD no carro. Cantei bem alto Jeito estúpido de amar e Negue. Nossa, como você é ridícula.

Ok. Passou.

Na sequência de tudo dando errado, a sala de espera do consultório médico me espera. É a última consulta. Sento e já abro meu livro, sei que vai demorar. Entra uma criança, corre, abraça recepcionista, Renata, e já coloca a mochila e a boneca atrás do balcão. Ela é muito nova, não deve ter filha desse tamanho. Não tem. É filha da médica. Logo sai de trás do balcão, da uma volta na sala de espera, olhando uma por uma cada mulher ali sentada.
- Coitada da minha mãe, tem muita paciente aqui!

Adoro crianças, sou sempre a primeira a sentar no chão para brincar. Mas meu mau humor ainda reinava, então não dei muita bola pra ela. Ouvi que ela tinha 6 anos. Isabela.  Corria de um lado pro outro e, entre uma paciente e outra, corria até o consultório da mãe.
- Só quero falar oi para minha mãe.

Pentelha maldita, vai atrasar mais ainda minha consulta, que é a última. E ainda ta me desconcentrando. Foi quando Leminski me arrancou, muito provavelmente, o primeiro sorriso do dia. “O nascimento dos sovietes é um dos mais belos espetáculos da história humana, esse rosário de massacres e baixezas, opressões e tiranias”. Uau. Belíssimas palavras. Voltei 3 parágrafos, os li novamente. O capítulo se chama Outubro. Os parágrafos falam do surgimento dos sovietes. Estava completamente entretida. Levei uns segundos para me dar conta que havia uma criança parada em frente a mim. Levantei a cabeça. Sorri e cumprimentei.
- Oi.
- Oi. – devolveu ela.

E agora? Ela ainda ta me olhando! O que eu faço?? Antes de decidir o que falar, ela foi mais rápida que eu.

- Você é bonita.

Sério? Ela falou isso mesmo? Acho que demorei uns segundos para processar a informação e responder.
- Obrigada! Você também é muito bonita.

Ela ficou sem graça. Correu até a mulher que estava umas três cadeiras pro lado, e já observava a cena.
- Ela é bonita! – disse para aquela mulher, se referindo à mim. A mulher riu e concordou.

E ela volta. Me oferece um copo d’água. Oferece para a outra mulher. Corre até Renata e pega um papel para desenhar. Ouço ela perguntar meu nome para Renata, que responde. HEIN?! É, a reação é sempre essa. Renata repete, e ela pergunta como escreve. E escreve meu nome no papel. Alguém pergunta o nome da boneca.
- É Paola, mas eu chamo ela de Lola.

Dou uma risadinha por dentro. Preciso contar para a Marie. Volto a ler, sorrindo. Ela volta até mim.
- Seu brinco é uma cobra? Seu cabelo é grosso assim? O que é isso no seu nariz? – e junto a cada pergunta, uma mãozinha que acompanha e quer pegar. Solto o cabelo, deixo pegar. Pode pegar, mas por favor, não puxe!

Ela entra em uma porta, que da no corredor dos consultórios. Nesse momento, já estou paralisada. “Na insurreição de fevereiro de 1917, a pré-revolução, as massas russas derrubaram a autocracia czarista”. Li e reli tantas vezes a mesma frase. Aquela menina ganhou minha atenção, a roubou do Leminski. Eu sorria continuamente. E a essa altura, já há 1h30 na sala de espera, livar-me do mau humor não era tarefa para qualquer um.

A porta se abre, ela sai correndo na minha direção. Farelos caem sobre o livro. Ai, o João Vitor vai me matar! Me oferece um pedaço de bolo.
- Tó. To comendo meu lanchinho. Meu pai que fez.

Volta correndo, a essa altura já tomando uma bronca da Renata, que ri enquanto tenta fazer ela sentar e comer. Me concentro novamente, dou continuidade na leitura. De canto de olho, vejo a porta se entreabrir. Olho, lá está Isabela. Com a boca cheia, só a cabeça pra fora, abana a mão para mim com a mesma mão que segura um biscoito de polvilho. Me oferece de longe. Dou risada, agradeço e nego. Ela volta pra dentro, por alguns segundos, depois volta correndo.
- Sobre o que é seu livro?
- É sobre a vida de um revolucionário.
- Um o que?
- Um homem, que lutou muito... – sou interrompida pela bronca da Renata, e ela volta pr'aquela sala correndo.

Entra a última paciente antes de mim, e quando ela vê que estou sozinha, volta até mim.

- Mas seu cabelo é assim mesmo, nasce assim?
- Não, não nasce... vê, são vários cabelos juntos.
- É como um penteado?
- É, é tipo um penteado.
- Você fica bonita com ele.

Sai a paciente, é minha vez, a médica chama. Isabela vai indo comigo, pergunta minha idade.
- Tenho 25.
- Você é adulta ou adolescente?
- Nossa Isa, que pergunta difícil. Acho que sou adulta, mas não me incomodo se você achar que sou adolescente.

Ela corre na minha frente e anuncia para a mãe que sou a última paciente. A médica ri, agradece a ela e me pede desculpas. Desculpa por que? Por sua filha me entreter enquanto você me fez esperar por 2 horas? Enquanto a médica vai fechando a porta, ouço sua vozinha dizer
- Mãe, é sua paciente mais bonita.
- Acho que ela gostou de você – diz a médica.

O procedimento não deu certo, voltarei depois de 5 dias. Se não fosse pela Isabela, nesse momento teria caído a terceira lágrima, e seria novamente de raiva. Mas ao sair do consultório, lá estava ela, me esperando para mostrar como escovava o dente de uma gatinha no aplicativo do celular da Renata. Vi, dei risada.

Saí conversando com Renata, marcando o retorno, e ela quase me empurrando para fora. É óbvio, já eram 20h, provavelmente já havia passado muito das suas 8h de trabalho diário e ela não receberia hora extra. Assim que ela fechou a porta da clínica nas minhas costas, me dei conta que não havia me despedido da Isabela.

E então aí, cai a terceira lágrima. Felicidade.

Sabe quando uma criança é capaz de mudar seu dia? Isabela salvou meu dia, da tristeza, da angustia, da ansiedade, do mau humor. Seu sorriso, sua inocência. E eu nem me despedi. Nem agradeci. É possível uma criança salvar seu dia assim? Pequenas coisas, tão secundárias, mas que mexem tanto com a gente quando já estamos fragilizados. Mas fragilizada por que? Não sei. Mas a felicidade... Ah, a felicidade. Essa, nunca abandona!


               
               


terça-feira, 21 de maio de 2013

Crises, guerras e revoluções internas


- Acho que já passou o período de crises.
- Crises, guerras e revoluções?
- É, acho que é bem isso. Ao menos internamente...

Às vezes a gente acha que tomar uma decisão é algo difícil. Na verdade, é bem fácil. É só decidir. A parte difícil é concretizar a decisão, e seguir concretizando sem perder de vista os objetivos que levaram a decisão. Mas se arrepender, em alguns momentos, é inevitável. Faz parte do processo de rupturas, dessas da vida mesmo. Acho que por isso que a definição de “crises, guerras e revoluções internas” vem bem a calhar.

Se eu soubesse que seria tão difícil, teria feito mesmo assim, já que não foi o nível de desafio que me fez decidir. Bem, talvez sim. Mas se dar novos desafios é um importante passo no processo de superação e auto-superação. Mas se eu soubesse, teria me preparado melhor, digerido a informação. Mas não, ansiosa que sou, engoli de uma vez achando que não haveria consequências. Pois bem, uma inevitável indigestão de saudade e dor de choro engolido veio atrapalhar o bom andar da carruagem.

Mas hoje, na atual situação e conjuntura que vivemos (pessoal, social, política, mundialmente!), as crises, guerras e revoluções – as internas e as reais – são inevitáveis, e totalmente necessárias para passarmos a uma etapa superior do desenvolvimento da história. E da nossa compreensão da história, além da nossa própria história, aquela pessoal mesmo. Por isso que tomar uma decisão “revolucionária” não é difícil. O difícil é superar o período de crises e guerras internas anteriores à enfim revolução! E quem tanto reivindica a revolução deve estar disposto a passar pelas crises e guerras.

Uma boa conversa hoje me fez perceber que não só quem toma a decisão deve estar disposto a arcar com as transformações. Quem não decide, mas é afetado pela decisão, também tem seu pouco de responsabilidade, e também deve estar disposto às transformações que forem necessárias, para que as relações caminhem da melhor maneira possível. Que talvez não seja a melhor e mais desejada, mas talvez seja a única possível.  

Enfim, acho que esse foi o post menos político e mais pessoal que já escrevi, e talvez ele esteja meio enigmático demais. Mas achei que tamanha transformação, tamanho turbilhão de sentimentos, sensações, merecia enfim algumas palavras. E é o primeiro post do ano, e esse ano, especialmente, necessitava de algo mais pessoal.
               
À pessoa com quem compartilhei o diálogo inicial, que rendeu a necessidade de escrever algumas linhas, o mais especial dos abraços.

E só quem pôde ver o pôr do sol que vi hoje, mais enorme e laranja que eu já pude ver, pode imaginar a atual sensação – pós crises, guerras e revoluções internas – de que eu estou exatamente onde eu queria estar.

domingo, 25 de novembro de 2012

Vestibular: aos que entrarão, e mais ainda aos que não!


Meses e meses sem passar por aqui...

Mas hoje é dia de fuvest! A primeira fase da Unicamp já foi. É a época dos vestibulares. Mando muitas boas vibrações aos que estão prestando fuvest hoje!!

E que após essa prova, todos - os que entrarão e os que não serão meticulosamente selecionados pelo filtro social - saiam e travem ao nosso lado a luta pelo fim do vestibular, pela universalização do ensino, e pela estatização de todo ensino privado, sem pagamento de indenização aos tubarões do ensino, donos dos grandes monopólios que vendem educação!

Porque cotas raciais, cotas sociais, não são suficientes! Sim, eu aceito essas migalhas do governo! Sim, me dê cotas, eu as quero! Mas não é só por elas que vou lutar. Que a luta pelas cotas raciais venha ligada à luta pelo fim do vestibular, porque não quero apenas alguns números de negros por cento dentro da universidade, eu quero absolutamente todos os negros que queiram estudar, dentro da universidade! Eu quero toda juventude pobre, toda juventude negra, toda juventude trabalhadora, das periferias, morros, favelas, todos que queiram, eu quero dentro da universidade, ocupando as salas de aula para estudar, e não mais para limpar! Não quero mais a população negra entrando apenas pelas portas dos fundos das universidades, para limpar banheiros, para servir bandejas, para flutuar no ar como se fosse um pássaro, se acabar no chão como um pacote flácido, agonizar no meio do passeio público e morrer na contramão atrapalhando o tráfego, como aconteceu com José Ferreira da Silva.

Porque quando eu falo do fim do vestibular, é dessa juventude que estou falando, da juventude que está do lado de fora, do outro lado do muro – e no caso da USP, é literalmente “do outro lado do muro”, ali, na comunidade São Remo. Essa juventude tem classe, tem raça, tem cor! Essa juventude, que quando entra na Universidade é pra trabalhar nos postos mais precários de trabalho, nos cargos terceirizados, ao sair para voltar pra casa corre o risco todos os dias de ser assassinada pela polícia! Como Cícera foi, trabalhadora terceirizada da USP, que foi assassinada pela polícia dentro de sua própria casa, na comunidade São Remo. E como estamos assistindo acontecer todos os dias pelas periferias e favelas de São Paulo, na chamada “guerra não declarada entre a PM e o PCC”, que na realidade é a brutal expressão do genocídio da população pobre e negra! O crime? Ser negro. Ser pobre.

Então, que essa juventude que está hoje nessa prova, que cada um deles se junto a nós nessa outra luta – não desvinculada da luta pelo fim do vestibular – pela PM fora das Universidades, escola, morros, favelas e periferias! Porque justamente a juventude que mais fica de fora do vestibular – e mais ainda aquela que nem sequer presta o vestibular, porque não sabe, não conhece, não tem R$120 para a inscrição, ou até mesmo sabe que não tem condições de passar nessa prova – é a juventude que mais sabe qual é o papel da polícia. Ontem assistimos a polícia espancar e levar preso um jovem, porque era negro, porque era pobre. Mas também assistimos uma mulher da comunidade, lá da São Remo, enfiar o dedo na cara do PM que disse que eles não eram gente de bem, que eram todos bandidos, e dizer “Você não é gente de bem. Você não é trabalhador, você sobe aqui pra matar trabalhador.”.  Policial não é trabalhador! Polícia é o braço armado do Estado, os cães de guarda do patrão!

Por fim, que cada jovem que está fazendo essa prova hoje, junte-se a nós na luta contra essa Universidade que temos hoje, por outro projeto de Universidade. Por uma Universidade que coloque todo seu conhecimento produzido à serviço da ampla maioria da população, e não mais de um ínfimo setor de empresários, latifundiários e governo. Por outra estrutura de poder na Universidade, que não seja mais a arcaica e antidemocrática que temos, onde um pequeno colegiado de poucos privilegiados doutores tomam todas as decisões que dizem respeito à comunidade acadêmica. Queremos a democracia, aquela que já foi defendida na Revolução Francesa de 1789, onde cada cabeça vale um voto. É a mesma democracia que temos do lado de fora da Universidade: passamos esse ano por eleições municipais e, com todas as contradições existentes nesse processo, ainda assim cada pessoa tem direito a um voto!

Que hoje, cada jovem que está prestando fuvest saia dessa prova com a raiva que lhe é legítima, e que com essa raiva junte-se à nós nessas lutas! Por uma transformação radical da Universidade! Pela PM fora das Universidades, escolas, periferias e favelas!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Companheira Camila: PRESENTE!


Já a um tempo não passo por aqui, e me angustia muito pensar o que me motiva a escrever novamente...

A que ponto a miséria do capitalismo pode levar alguém? Alguém cuja consciência dessa miséria era bastante conhecida. Alguém cuja tamanha sensibilidade faz com que a dor dessa miséria, a dor da opressão seja tão desesperadora que viver em meio a isso se torna insuportável. Literalmente insuportável, em seu sentido mais correto. Que realmente não suporta mais, e tomba. Uma lutadora que tomba em batalha, pois em tempos como esse em que vivemos, só de estar vivo com a clareza e sensibilidade de que é necessário lutar para mudar isso tudo, essa é a primeira batalha. Manter-se vivo. 

E qual o papel dos revolucionários frente a uma situação como essa?

 O papel de lutadores, claro! Daqueles que se indignarão frente a essa perda, e terão muito mais certeza da necessidade de acabar com a doença que matou a companheira, a doença do capitalismo. A mesma doença que fez um jovem atear fogo em seu próprio corpo na Tunísia, no início de 2011, dando o pontapé inicial da Primavera Árabe. A mesa doença que matou o aposentado grego há algumas semanas. Lutar pelo fim desse modo de produção, que todos os dias matam pessoas, trabalhadores, lutadores da batalha diária que é manter-se vivo dentro desse sistema. Lutar pelo fim desse sistema de opressão e exploração, que tanta dor causa à tantas e tantas pessoas, conscientes ou não da causa dessa dor. Oprimidos e explorados. Lutar por um mundo onde não mais haja exploração do capital, onde não mais haja monopólios, onde o Imperialismo seja apenas uma passagem da história. 


Mas antes de tudo isso, o grande papel dos revolucionários frente a esta situação, o verdadeiro papel dos revolucionários, que nos fará conseguir levar adiante o papel de lutadores, é o papel de seres humanos! Seres com qualidades humanas! Porque é exatamente isso que faz dos lutadores, pessoas revolucionárias. Toda a miséria do capitalismo levou a que a grande maioria das pessoas hoje perdesse as qualidades humanas, são “milhões de vasos sem nenhuma flor”. A dor da perda de uma companheira, de uma lutadora, de uma amiga, transformada em raiva do sistema que levou a essa trágica decisão, transformada no ódio que nos move! No ódio, que é o que nos faz seguir em frente, seguir na luta. Porque a luta não pode ser somente contra o modo de produção, contra o imperialismo, contra o trabalho assalariado. A luta é pela sociedade comunista! A luta é por uma sociedade humana, onde ninguém mais sinta a necessidade de se questionar o porquê de estar vivos! Que as pessoas estejam vivas e vivendo, e não apenas sobrevivendo! E isso começa agora, isso começa com nós. Ser sensível com a sensibilidade alheia. Assim como tiramos lições de nossas derrotas, temos também que aprender com nossas perdas. E que essa perda sirva, de uma maneira triste, mas revolucionária, para que valorizemos os que estão ao nosso lado nessa grande batalha, aqueles que estão ombro a ombro conosco, dedicando suas vidas à essa luta, justamente por essa luta ser o que nos mantém vivos. Pois no limite, na luta pela construção da sociedade comunista, são esses que estarão ao nosso lado até o fim, são os camaradas, os companheiros, os lutadores. Que essa perda nos ensine a sermos mais sensíveis, que nos ensine a desenvolver nossas relações, aprofundar nossas amizades. Que sejamos camaradas por completo, partilhando nossas lutas, nossas alegrias, mas principalmente nossas dores e angústias. Que confiemos plenamente naqueles que caminham conosco nessa jornada, que são aqueles a quem confiaremos a vida nos momentos de luta acirrada, e a quem protegeremos com a vida. 

Porque tão revolucionário quanto um dia inteiro de intensa militância e estudos, é a pergunta “e aí, como você está?” no final do dia. 

À todos que tombaram em meio a batalha de viver: PRESENTE! Agora, e sempre!
Avante companheiros!

domingo, 27 de novembro de 2011

Segurança: como, de quem, para quem?



Estou há dias para escrever sobre isso.

Segurança! Nos últimos dias temos visto muito essa palavra ecoar pelos meios universitários, e o surgimento de um debate acerca deste tema. Que a luta travada hoje na USP é uma luta a respeito da segurança no campus, da segurança dos estudantes.

Antes de entrar na questão “segurança”, o que tem que estar colocado hoje na USP é que existem 73 presos políticos. O que está colocado hoje na USP é uma repressão brutal ao movimento estudantil e de trabalhadores. O que está colocado hoje na USP é, desde a ditadura militar, um dos maiores ataques à liberdade de manifestação. Então, antes de pensarmos “segurança” temos que pensar em como vamos defender esses 73 presos políticos e exigir a retirada dos inquéritos, enxergando a importância dessa luta por entender que 73 punições à lutadores representaria uma derrota e um retrocesso inimaginável à TODOS aqueles que se colocam em luta. E isso não é exagero! Se deixamos passar que uma desocupação aconteça da maneira como aconteceu na reitoria da USP, estaremos entregando nas mãos da polícia todas as ocupações de terra de movimentos sem-terra e as ocupações urbanas de movimentos sem-teto. Estaremos permitindo que nossas greves e manifestações sejam também brutalmente reprimidas. Estaremos nos atando, abrindo mão de nosso próprio direito de lutar e nos manifestar.

Agora, com relação à segurança. Em primeiríssimo lugar, acho que se perguntar “como e que tipo de segurança queremos para os estudantes da USP” é um equívoco, e traduz um pensamento totalmente elitista! Pensar que não queremos a PM dentro da USP porque isso fere a autonomia universitária, e porque a universidade é um local de produção de conhecimento e isso não é possível com um fuzil apontado para a testa ESTÁ CORRETO! Mas não é o suficiente. Eu quero a PM fora da USP também por esses motivos citados, mas porque a sua função social é a de “manter a ordem”, e a ordem é a da burguesia! “Manter a ordem” significa “defender a propriedade privada”, “evitar e reprimir manifestações que questionem a ordem”, “limpar os pretos e pobres das belas ruas dos principais pontos turísticos”. Eu quero a PM fora da USP porque ela é, por essência, assassina de jovens e trabalhadores negros. Eu quero a PM fora da USP, porque quero a PM fora das favelas, morros e periferias, porque é impossível VIVER com um fuzil apontado para a testa! Porque a PM brasileira é a mais assassina do mundo, é a que mais tortura em períodos de dita “democracia”. Porque a PM que prendeu 73 estudantes e trabalhadores na USP é a mesma que mata, tortura e estupra nas favelas e periferias. É a mesma polícia que, com um contingente de 4 mil policiais, acaba de militarizar a Rocinha e lucra mais com o tráfico do que os próprios “clássicos” traficantes. E se ela prende 73 estudantes e trabalhadores, em sua maioria brancos, na maior universidade da América Latina e uma das mais elitistas, em meio a um processo de alcance midiático nacional, acho que conseguimos imaginar o que essa PM faz com jovens e trabalhadores negros nas periferias, bem longe do alcance das câmeras! 

Mas mais uma vez, sobre a segurança na USP, já que foi isso que me propus a escrever. Mas convenhamos que não faz sentido nenhum discutir a segurança na USP por si só, sem passar por todos esses pontos que tentei passar.
É óbvio que eu quero a USP segura. Para toda a população que frequenta esse espaço PÚBLICO! E para isso, esse espaço tem que ser efetivamente público, para que toda a população frequente! E isso é o que vai trazer segurança para dentro da USP! Iluminação SIM, mas circulação de gente, universidade a aberta à população, com atividades abertas! Mais cursos noturnos, bandejão nos fins de semana, moradia dentro do campus (esses últimos fazem parte da realidade da USP, mas não é o caso de muitas outras universidades, como as UNESP’s – muitas nem bandejão e moradia tem – e da UNICAMP). Nos dias de festa, auto-organização dos estudantes para evitar assédios, violências, estupros, organizando transporte e caravanas para ir embora (como aconteceu em algumas festas na Unicamp, e ajuda bastante!).
No limite, a segurança vai vir da população frequentando a universidade. Da população estudando na universidade. E nesse sentido, o fim do vestibular é a melhor resposta para o problema de “segurança” da USP – e não só da USP. Quando toda população tiver a oportunidade de estar dentro das universidades públicas estudando, aí sim estaremos falando de locais seguros, frequentados por pessoas! E não existe resposta intermediária, que fique claro! Não me venha com “segurança treinada, qualificada, não terceirizada”, o caralho a quatro! ISSO JÁ EXISTE! Enquanto essa super segurança estiver submetida à estrutura de poder antidemocrática existente hoje, essa segurança estará lá para cumprir o papel de polícia! E eu digo isso porque ouvi de um PM essa semana, que entrou na UNICAMP chamado pelo chefe da segurança do campus – que, ora vejam só, é concursado  -  e quando chegou e se deparou com estudantes questionando a atitude do segurança e a PM no campus, o policial falou “a segurança do campus tem papel de polícia dentro do campus”. Então não me venha com “soluções” que já são vigentes e que, no limite, tem como proposta transformar a universidade pública em um condomínio fechado e seguro para os privilegiados que passaram no vestibular.

Agora, mais um ponto. Se vamos discutir a segurança na USP, quero discutir qual a segurança para que os trabalhadores terceirizados não se machuquem mais todos os dias, e nem morram, por não ter a garantia de equipamentos certos para fazer o serviço. Assim como José Ferreira da Silva, trabalhador terceirizado, não teve e morreu em serviço dentro da USP este ano. Quero garantir a segurança dos terceirizados do bandejão da Unicamp, que todos os dias se cortam com as bandejas, e se queimam com a água fervente que vaza de um equipamento precário. Quero que todos esses terceirizados tenham a segurança de que seu salário vai chegar no próximo mês, que seu emprego ainda será seu no fim do ano, e que seus filhos estejam alimentados e frequentando a escola no próximo ano. E essa segurança só será garantida com a efetivação, sem concurso público, desses trabalhadores, com o fim da terceirização e precarização da vida, do trabalho!

Para finalizar, deixo um vídeo sobre um festival que ocorreu em Zanon, na Argentina. Zanon é um fábrica que está completando uma década sob controle operário. É uma fábrica sem patrão que construiu um festival cultural sem polícia! Para aprendermos como é possível, como a segurança do povo pode e deve ser garantida pelo povo!



sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Tusca, Interunesp, Economíadas, Engenharíadas, Intermed, Inter/íadas qualquer coisa... Até quando?


E lá vem mais um Tusca (Torneio Universitário de São Carlos). Começou ontem. Mal começou e no Corso, sua festa de abertura, já morreu um. Se envolveu em uma briga, foi atropelado. Ano passado morreu um também. Ficou bêbado, caiu no córrego.

Qual será o saldo até o fim, daqui dois dias? Quantas mortes? Quantos estupros? Quantos "Rodeios das Gordas"? Mais um torneio universitário, onde a juventude, ao invés de se divertir, confraternizar, conhecer gente, beber, transar com segurança, expressar sua sexualidade... É oprimida, violentada, reprimida sexualmente ao ter seus desejos e prazeres tolhidos, por não ter condições objetivas e subjetivas de se expressar.

Onde jovens morrem atropelados [Tusca 2011].
Onde jovens morrem porque caem no córrego [Tusca 2010].
Onde jovens quase morrem por "boa noite cinderela" e coma alcoolico [Interunesp 2008 - rendeu 4 dias de UTI].
Onde jovens quase morrem por tomar uma tijolada no rosto [Intermed 2007 - rendeu 3h de cirurgia plástica para reconstrução dos ossos].
Onde jovens são oprimidas, humilhadas, violentadas [Interunesp 2010 - e outros].
Onde jovens tantas outras situações! E eu não estou falando de achismos, estou falando de fatos!

Nesses espaços a visão da "mulher-objeto" é potencializada. Os hinos, as músicas, as "brincadeiras", tudo potencializando o machismo, o racismo, a homofobia mais incrustada na sociedade.

A juventude tem que construir espaços de confraternização conscientes, onde os jovens entrem ansiosos e saiam vivos, felizes, minimamente satisfeitos! Onde haja música, álcool, sexo e nenhum tipo de opressão, nem mortes!! Onde haja cultura, onde haja arte, onde haja vida! Onde haja o forte combate ao machismo, ao racismo, à homofobia, não só nesses espaços, mas em toda sociedade. Onde se possa expressar livremente sua sexualidade, sem ser oprimido, sem ser censurado, sem conservadorismos e moralismo burguês.

Onde se possa dançar uma música, e também discutir a Primavera Árabe.

Onde se possa assistir a uma esquete teatral, e também reivindicar a abertura dos arquivos da ditadura.

Onde se possa ver apresentações circenses, e também analisar as mobilizações chilenas.

Onde se possa ficar xapado, e também debater o Lulismo.

Onde se possa fazer sexo, e também conversar sobre sexualidade.


Pois então reivindico veementemente espaços como o I "Festival Interunesp contra as opressões", realizado no fim do ano passado, na Unesp de Marília. Uma resposta política ao grotesco "Rodeio das Gordas". Um espaço para a expressão da arte, do lazer, da confraternização. Um espaço para discussão política. Um espaço livre de opressões. Um espaço onde a juventude entrou viva e consciente, e saiu viva, consciente e feliz!

Avante juventude! Pelo seu direito ao lazer, pelo seu direito de ser jovem!